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[Ensaio é uma obra de reflexão que versa sobre determinado tema, sem que o autor pretenda esgotá-lo, exposta de maneira pessoal ou mesmo subjetiva.]
Ensaio sobre a cegueira é uma obra de Saramago, uma história que se centra à volta do que aconteceria se, de um dia para o outro, uma epidemia de cegueira, o que eles chamam o mal-branco (porque quem ficava cego apenas via branco) cegasse toda a gente, menos uma mulher.
É através desta mulher que não cegou, a mulher do médico, que temos a visão do que realmente é viver neste mundo, um mundo que é governado pelo medo, que deixa de ter organização, em que é cada um por si à procura de formas de sobreviver. Muitas vezes, principalmente a partir do meio do enredo até ao final, a mulher afirma que até preferia estar cega do que ter de ver tudo o que vê. O mundo transforma-se quase num inferno.
Esta obra transforma um conceito que pode ser impossível para a realidade. Tudo o que é tratado é aquilo que poderia acontecer se esta situação acontecesse. Não se falta falar de nada, desde fome, a excreções humanas por todo o lado, a violações em troca de comida, em perda de eletricidade, até ao que se faria aos mortos, e em como é impossível encontrá-los a todos, alguns ficam ali a apodrecer no meio de uma praça.
O ensaio é o mais realista possível.
Uma imagem interessante é a da Igreja, quando todas as pinturas e esculturas estão ou com os olhos pintados com uma risca branca ou tapados com um pedaço de um lenço branco. Pergunto-me se terá algum significado, alguma explicação para o que aconteceu, ou se é apenas a resposta humana ao que está a acontecer. Ou a perda de crença, que não deixaria o mundo transformar-se no que se transformou.
Uma das conclusões a que Saramago nos faz chegar está exatamente na conclusão do livro, depois de já todos estarem a recuperar a visão de novo: "Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem".
É interessante como, depois desta frase, a mulher do médico, que nunca cegou, quase acha que chegou a sua vez de cegar "Depois levantou a cabeça para o céu e viu-o todo branco, Chegou a minha vez, pensou. O medo súbito fê-la baixar os olhos. A cidade ainda ali estava".
Na realidade, não há uma explicação para o porquê de a mulher do médico não ter cegado. É interessante como vemos o mundo através dela e como pode muito bem ser apenas essa a razão, ter uma personagem que explique o que está a acontecer ao leitor, o que torna a história mais pessoal do que se fosse um narrador fora da ação a narrá-la.
E nenhuma das personagens tem nome. São o médico, o primeiro cego, as mulheres destes, a mulher dos óculos escuros, o rapazinho estrábico, o velho da venda preta, etc. Isto torna tudo muito mais impessoal, como se algo do lado humano das pessoas estivesse a perder-se logo de imediato.
Depois deste livro vem um que li antes, porque não sabia que era uma espécie de continuação, que é o Ensaio sobre a Lucidez, que trata não de uma epidemia de cegueira branca, mas de uma epidemia de votos brancos. O governo pensa que está ligado, mas desta vez a sociedade, depois de todas as figuras de autoridade se retirarem, fica tão ou mais organizada do que antes. É também uma reflexão interessante.
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ENGLISH
[An Essay is a work of reflection that deals with a given theme, without the author intending to exhaust it, exposed in a personal or even subjective way.]
Blindness is a book by Saramago in the form of an essay, a story centred around what would happen if, overnight, there was a blindness epidemic, what they named the white-evil (because the one who went blind only saw white) blinded everyone, except one woman.
It is through this woman that didn't go blind, the doctor's wife, that we experience what is really like to leave in this world, a world ruled by fear, that is not structured anymore, in which it is every man for himself tried to find a way to survive. A lot of times, but mainly from the middle of the story until the end, the woman states that she would rather be blind than have to see all that. The world is almost turned into hell.
This book changes a concept that could be impossible to reality. Everything that is written is what could happen if this situation came around. Nothing is left out, we have hunger, human excrement all over, rapings in exchange for food, loss of electricity, and even what to do with the dead, and how it is impossible to find them all, some resting there rotting in the middle of a square.
The essay is as realistic as possible.
An interesting image is the Church when every painting and sculpture is either with the eyes painted with a white strike or covered by a piece of white cloth. I wonder about its meaning, if it has an explanation for what happened, or if it's just a human response to what is happening. Or the loss of faith, which should not let the world become what we see it become.
One of the thoughts Saramago leaves us with is exactly at the end of the book, after everyone is recovering sight again: "I think we have not blinded, I think we are blind, Blind who see, Blind who, seeing, do not see".
It is interesting how, after this sentence, the doctor's wife, who was never blind, almost thinks that it must be her turn to go blind "Then she lifted her head to the sky and saw it all white, It's my turn, she thought. Sudden fear made her look down. The city was still there".
In reality, there's no explanation of why the doctor's wife didn't go blind. It is interesting to see the world through her and how this could be the only reason, to have a character explain what is happening to the reader, making the story much more personal than it would be if we had an outside narrator describing the events.
And none of the characters has a name. They are the doctor, the first blinded, their wives, the woman in the black glasses, the little squinted boy, the old man with the black blindfold, etc. This turns everything much more non-personal as if something from the people's human part is starting to fade right away.
After this book comes one that I read before because I didn't know that it was somewhat of a sequel, which is Seeing, which is not about a blindness epidemic, but an epidemic of white votes. The government thinks that it is connected, but this time the society, after every authority figure goes away, remains or becomes even more structured and organized than before. It is, also, an interesting topic to reflect on.
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