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Stephen King, um dos meus autores favoritos de terror.
Perdido e Achado é um livro que comprei na feira do livro de Lisboa 2021, e um dos livros que estava mais entusiasmada para ler. Nunca tinha lido nada sobre este livro online antes de o comprar nem mesmo antes de o ler, e só descobri que fazia parte de uma trilogia (a trilogia Bill Hodges) depois de o acabar. Mesmo assim, não acho que seja importante ler o outro livro (este é o segundo) porque muitas das coisas que aconteceram são relembradas o suficiente para se apreciar esta história por si só.
Depois de acabar o livro e navegar pela internet apercebi-me que há muitas pessoas que dizem que este livro foi uma desilusão tendo em conta o primeiro e o terceiro da trilogia, por isso acho que até foi bom não ter lido ainda os outros. Assim, consegui ver o livro como uma história individual. E posso dizer já, a-d-o-r-e-i este livro.
A história centra-se em duas personagens: Morris Bellamy e Peter Saubers, de idades bastante diferentes. Começa com a intercalar dois tempos, 1978, quando Morris roubou os cadernos e dinheiro de um escritor pelo qual tem uma obsessão doentia, e 2009, quando Peter os encontra e desenvolve também ele uma espécie de obsessão por ele. Depois o tempo torna-se o mesmo, em 2014, até que eventualmente as vidas de Morris e Peter são postas frente a frente, tudo por causa destes cadernos.
[SPOILERS A PARTIR DAQUI]
O livro começa e quase que nem nos dá oportunidade de dar a Morris o benefício da dúvida. Visto bem, a primeira coisa que ele faz é matar o escritor que tanto admirava, e que passou a detestar só pelo final de um livro. Stephen King criou Morris para ser assustador para o leitor, para cada vez que estamos a ler uma parte em que se descreve o que ele está a fazer ou a pensar sabermos que vai haver pior, que não vai acabar por ali, e mesmo assim consegue fazê-lo de forma imprevisível.
Por outro lado, Peter é criado para ter compaixão. Vemos que ele encontra a arca com os cadernos e o dinheiro (e aqui ele nem liga aos cadernos porque não sabe o que são), mas ele não fica com o dinheiro para si, usa-o para salvar o casamento dos pais. Stephen King está sempre a escrever de forma a que o leitor olhe para o Peter e perdoe as coisas que poderiam causar alguma dúvida, porque tudo o que ele faz é pela família.
É muito interessante como estas duas personagens são parecidas e ao mesmo tempo tão diferentes. Perguntas como "Será que Peter é tão obcecado como Morris?", "Será que Peter se vai tornar numa pessoa como Morris?", "Até que ponto é que Peter é parecido com Morris?" ou "Até que ponto é que a obsessão de Peter é diferente da obsessão de Morris?" estavam sempre a surgir enquanto lia o livro.
A verdade é que obsessão pode, na minha opinião, ter várias variáveis. Sabemos que Morris não teve a melhor infância, que se refugiou naqueles livros, que para ele esses livros eram quase a sua realidade, era e continua a ser a razão de viver de Morris. Ele aguentou todas as coisas horríveis da prisão porque tinha de ler os cadernos. Ele nem foi para a prisão por ter matado o escritor, por isso ele tinha de sair de lá, tinha de saber que aquele final não era o final. Para Morris era como se o escritor tivesse "vendido" a personagem, e por arrasto vendido Morris também.
A obsessão de Peter surge de forma diferente, e não é tanto obsessão. Peter só leu os cadernos porque os encontrou, simples. Depois de os ler começou a interessar-se e começou a ter uma grande admiração pelo trabalho do escritor. Mas ele, ao contrário de Morris, não achava que era o dono dos cadernos. Peter tentou vender os cadernos, Peter queimou os cadernos no fim para salvar a irmã. Morris matou pelos cadernos, achava que era dono deles, e morreu com eles.
Um final mesmo à Stephen King. Morris morreu queimado a tentar pegar nos cadernos. É uma cena tão bem escrita e que prova até onde é que Morris estava disposto a ir por aquela história. Ele passou de matar outros para matar-se a si mesmo. Para ele não valia a pena viver mais.
A parte onde acho que pensei mais sobre a proximidade de Peter e Morris foi logo quando Peter leu os cadernos, e durante muito tempo era como se fosse o seu "tesouro privado". Ele é o único no mundo que leu aqueles cadernos, e a história acabou com ele a ser o único à mesma. Mas é também aqui que ele se separa de Morris. Ele soube o que tinha de fazer, ele conseguiu olhar para as coisas objetivamente e de forma não egoísta. Morris nunca conseguiria ter feito o que Peter fez. Via-se nos olhos dele a obsessão quando Peter lhe estava a contar no final que haviam não 1, mas 2 livros lá, e quando lhe contou um dos pormenores de um desses livros.
Para além disso, Morris nunca era o responsável do que fazia, isto da sua própria perspetiva. Para ele havia sempre um "destino maligno" a pô-se entre ele e os cadernos e que fazia com que ele tivesse de fazer "isto" ou "aquilo", matar "este" ou "aquele" como se fossem apenas objetos no seu caminho.
[E a metáfora do lobo e como Stephen King a escreveu de várias perspetivas!!!]
Agora falando da estrutura, é muito interessante como Stephen King usa certas palavras nas duas personagens mas o leitor consegue distinguir o seu significado, como "louco" por exemplo. Também gostei muito da forma como King muda de perspetiva ao longo da narrativa, intercalando entre a 1ª e a 3ª pessoa ao longo do texto, mas de uma forma muito natural.
Mais uma vez, adorei o livro.
"Um bom escritor não manda nas suas personagens, segue-as. Um bom escritor não cria os acontecimentos, vê-os acontecer e escreve o que vê. Um bom escritor dá-se conta de que é um secretário, não um Deus."
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ENGLISH
Stephen King, one of my favourite horror authors.
Finders Keepers is a book that I bought at the 2021 Lisbon book fair, and one of the books that I was most excited to read. I did not read anything online about this book before buying it or even before reading it, and I only found out that it is part of a trilogy (the Bill Hodges trilogy) after I finished it. Even so, I don't think that it is crucial to read the other one (this is the second) because many of the things that happened are re-explained enough for the reader to appreciate this story alone.
After finishing this book and going through the internet I came to the conclusion that there are a lot of people who said that this book was a disappointment, giving the first and third books of the trilogy, so I actually think that it was better for me not having read the others yet. This way I was able to enjoy the book as an individual story. And I can say it now, I l-o-v-e-d this book.
The story is centred on two characters: Morris Bellamy and Peter Saubers, of very different ages. It starts by intercalating two times, 1978, when Morris stole the notebooks and the money from a writer to whom he has a sick obsession, and 2009, when Peter finds all of it and catches himself in some kind of obsession for the writer too. After, the time is made the same, in 2014, until Morris' and Peter's lives are eventually placed face to face, all because of these notebooks.
[SPOILERS FROM NOW ON]
The book starts and it almost gives the reader a chance to think about Morris' morals. If we look at it, the first thing that he does is killing his so loved writer, who he just hated because of a book's ending. Stephen King created Morris to be scary to the reader, to every time we are reading a part where he describes what Morris is doing or thinking, we know that there's going to get worse, that it's not going to end there, and even so King can do it unpredictably.
On the other hand, Peter is created to have compassion. We see him finding the cooler with the notebooks and the money (and he doesn't even pay attention to the notebooks first because he doesn't know what they are), but he doesn't keep the money for himself, he uses it to save his parents' marriage. Stephen King is always writing Peter in a way that makes the reader forgive him for the things that could possibly cause any doubt because everything Peter is doing is for the family.
It is very interesting how these two characters are similar and at the same time so different from one another. Questions as "Is Peter as obsessed as Morris?", "Is Peter going to become someone like Morris?", "To what extend is Peter similar to Morris?" or "To what extend is Peter's obsession different from Morris' obsession?" were always coming to me as I was reading the book.
The truth is that obsession, in my opinion, can have several branches. We know that Morris didn't have the best childhood, that he used those books as an escape, that those books were almost his reality, they were and continue to be the reason to live for Morris. He held on through all of these horrible prison things because he had to read the notebooks. He didn't even go to prison for killing the writer, so he had to get out of there, he had to know that that ending was not the ending. For Morris, it was as if the writer had "sold" the character, and by extension sold Morris too.
Peter's obsession comes differently, and it is not as much an obsession. Peter only read the notebooks because he found them, as simple as that. After, he began to get interested and started to grow his admiration for the writer's work. However, he, contrarily to Morris, did not think that he owned the notebooks. Peter tried to sell the notebooks, Peter burned them at the end to save his sister. Morris killed for the notebooks, he thought that he was their rightful owner, and died with them.
Such a Stephen King ending. Morris died burned while trying to grab the notebooks. It is a so well-written scene and a scene that proves to which point was Morris willing to go for that story. He went from killing others to killing himself. For him, it was not worth it to live without it.
The part where I think I thought more about Peter and Morris's similarities was when Peter read the notebooks, and how he, for a long time, treated them as his "private treasure". He is the only one in the world who read those notebooks, and the story ended with him still being the only one. But it is also here that he stays apart from Morris. He know what he had to do, he was able to look at things objectively and in a non-selfish way. Morris could never do what Peter did. We could see in his eyes his obsession when Peter told him that there was not only one, but two books there, and when he told Morris one detail from those books.
Besides that, Morris was never responsible for what he did, from his own perspective. For him there was always some "evil destiny" between him and the notebooks, which forced him to do "this" or "that", kill "this" or "that" like they were just objects in his way.
[And the wolf metaphor and how Stephen King wrote it from several perspectives!!!]
Now, about structure, it is very interesting how Stephen King uses certain words in these two characters but the reader knows how to distinguish their meaning every time, as for example "crazy." I also liked a lot how King changes perspective throughout the narrative, changing from 1st to 3rd person throughout the text, but in a very natural way.
Once again, I loved the book.
"A good novelist does not lead his characters, he follows them. A good novelist does not create events, he watches them happen and then writes down what he sees. A good novelist realizes he is a secretary, not God."
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